No próximo 27 de Setembro, na ilha de Mallorca, dois atletas portugueses irão participar no DESAFIO «IRONMAN» 2014, uma das provas de atletismo mais duras e exigentes do mundo. Trata-se de António Gomes da Silva e Hélder Silva. Decidimos apoiar estes dois intrépidos «homens de ferro» portugueses que irão concorrer com as «cores» da Taylor no seu equipamento. No texto que se segue, ambos os atletas explicam as origens do DESAFIO «IRONMAN» e descrevem o rigorosíssimo programa de treino e de preparação que têm vindo a seguir ao longo dos últimos meses. Aproveitamos para transmitir ao Hélder e ao António os nossos melhores votos de sucesso neste impressionante desafio.
IRONMAN: O que é e como começou?
É uma modalidade desportiva, que foi proposta pela primeira vez por um comandante da marinha americana. Durante uma cerimónia de entrega de prémios, no final de uma prova realizada no Hawai, surgiu a discussão sobre quais seriam os atletas mais resistentes: nadadores, corredores, ou desportistas de qualquer outra modalidade?
Para tentar dar resposta a esta questão, foi proposta a realização de uma prova que combinasse a realização sucessiva de várias provas já existentes, e que seriam:
- a prova de natação em águas abertas, com uma duração de 3,8 Km, designada de "The Waikiki Rothwater Swim"
- a prova de ciclismo, que se realizava originalmente num período de dois dias e que percorria cerca de 180 Km de distância, a "The Around-Oahu Bike Race"
- e finalmente a prova de corrida – a grande "Maratona de Honolulu”, num total de 42 Km e 195 metros
Quem ganhasse esta prova seria considerado o Homem de Ferro!
A primeira prova realizou-se em 18 de Fevereiro de 1978 e entre os 15 participantes, 12 conseguiram chegar ao final, sendo que o vencedor realizou a prova com um tempo total de 11h 46m 40s, tendo concluído a prova de natação em 1h20, a de ciclismo em 5h56 e finalmente a corrida em 3h30.
Daí em diante a prova popularizou-se e passou a ser conhecida como Triatlo Ironman, ou simplesmente Ironman.
Actualmente, a prova conta com diversos formatos:
- Sprint Triathlon: 750 metros de natação, 20 Km de ciclismo e 5 Km de corrida
- Triathlon Olímpico: 1.500m de natação, 40 Km de ciclismo e 10 Km de corrida
- Ironman 70.3: 1.900 m de natação, 90 km de ciclismo e 21,1 Km de corrida
- Ironman: 3.800 m de natação, 180 km de ciclismo e 42 Km e 195 metros de corrida
- Ultraman: esta versão é disputada ao longo de três dias, em que no primeiro dia os atletas nadam ao longo de 10 Km, findos os quais percorrem 145 Km de bicicleta. No segundo dia pedalam ao longo de mais de 276 Km e no terceiro dia completam a prova com uma distância total de 84 Km e 400 metros
A mítica prova do Hawai continua a ser a mais importante, sendo a participação limitada a 1.700 atletas, cujo lugar é obtido por qualificação, sendo que há algumas vagas específicas que são obtidas por sorteio entre os muitos candidatos. É o términus do circuito mundial, que contabiliza um total de 26 provas realizadas ao redor do planeta, de onde posso citar por exemplo Estados Unidos, Brasil, Maiorca, Japão, China, Áustria, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, França, Malásia, etc.
Plano de treinos
O plano de treinos varia à medida que a distância temporal para a prova vai encurtando. Dependendo da preparação base de cada atleta, esta caminhada pode variar entre 6 meses (para atletas que já tenham algum ritmo) a 1 ano (para atletas que estejam a deixar um estilo de vida sedentário).
Por norma, um triatleta (ou aspirante a sê-lo), tem uma disciplina/modalidade base, ou na qual se sente mais confortável. Obviamente, deverá dar mais atenção às outras. A intensidade de treino depende da disponibilidade e pré-preparação de cada um, mas pode considerar-se que o ciclo real de preparação para uma prova deste tipo se inicia com cerca de 6 meses de antecedência.
Numa primeira fase, em crescendo de ritmo, sendo que a maior concentração de esforço se situa entre 4 a 1 mês antes da prova. Nesta altura, os treinos deverão absorver cerca de 15 a 20 horas semanais. Obviamente que não sendo atleta profissional, a regularidade nem sempre é a desejável, mas o ritmo normal passa por treinos curtos, bi ou tri diários durante a semana, e uma concentração maior ao fim-de-semana.
Enquanto um bom treino de natação pode ser feito em 1 a 1,5 horas, um bom treino de ciclismo requer um mínimo de 4 a 5 horas. Assim, os treinos de bicicleta, sobretudo em estrada, ficaram sobretudo reservados para o fim-de-semana, sendo que não se pode treinar esta modalidade apenas uma ou duas vezes por semana. Assim, como complemento, recorremos a treinos numa bicicleta indoor.
Os treinos devem alternar entre velocidade e força/volume. Assim, em todas as modalidades deve-se ir alternando e ora se faz um treino de força/volume, ora o seguinte deverá ser reservado para treinar velocidade.
Equipamento
Para além da indumentária/vestuário adequada a cada uma das modalidades, na qual devemos prever roupa para treino de inverno e de verão, não esquecendo a possível necessidade de aquisição de um fato para nadar em águas abertas, que por norma são (muito) frias, o equipamento específico que um triatleta precisa é de uma bicicleta. Esta pode ser de estrada, mas deve ser preferencialmente própria para triatlo. A diferença entre os dois tipos, pode numa primeira análise parecer nula, em função dos designs actuais das mesmas. Mas se tivermos muita atenção, podemos perceber que elas realmente existem.
Numa prova Ironman, como pedalamos sozinhos, ou seja, sem cone de ar (porque não há outros concorrentes à nossa volta), de modo a melhor vencer a resistência do ar, precisamos adoptar uma posição aerodinâmica. A principal diferença entre estes dois tipos de bicicleta reside na altura entre o tubo de direcção e a caixa do centro (pedal), e na distância entre estes mesmos dois pontos. A bicicleta de triatlo têm uma altura menor e uma distância maior que as de estrada. A outra grande diferença está no ângulo do tubo do selim relativamente ao solo. As de triatlo têm um ângulo de aproximadamente 78º, enquanto as de estrada têm 73º. No entanto, se não for uma bicicleta customizada e uma vez que actualmente todos os selins são ajustáveis, esta diferença é praticamente esbatida. Obviamente, também existem diferenças ao nível da direcção, mas essas são extremamente fáceis de identificar.
Já temos um plano de treinos e o equipamento adequado. E agora, o quê e quando é que eu devo comer?
O plano alimentar varia obviamente de pessoa para pessoa. Em primeira instância, devemos perceber, em função da nossa estatura, peso e nível de actividade (não esquecer que não somos atletas profissionais, pelo que temos outras actividades a consumir a nossa energia diária), quais as quantidades diárias ideais que devemos ingerir de proteína, hidratos, fibra e gordura.
Em primeiro lugar, há que seguir as regras básicas de alimentação. Comer de todos os tipos de alimento, várias vezes ao dia, e em pequenas quantidades, evitando álcool, cafeína e alimentos processados. Até este ponto é cultura geral.
Agora de uma forma mais orientada, um triatleta deve, quando aumenta o seu índice de actividade, ajustar o plano. Aqui fica uma ideia do que pode ser o regime ideal. Obviamente, deverá ser adaptado ao gosto de cada um.
5h00 Batido de fruta com nozes ou amêndoas e farelo de aveia
1º Treino
8h00 Pão de cereais com queijo e café
10h00 Ovo (cozido ou mexido) e duas claras
12h15 Barra de cereais
2º Treino
13h45 1 sopa com 300g de legumes + 1 batata + 1 colher de sopa de azeite (ou 150 g de salada)
125g de peito de frango/peru sem peles e gorduras, ou 150g de peixe
200g de arroz ou massa integral
125g de peito de frango/peru sem peles e gorduras, ou 150g de peixe
200g de arroz ou massa integral
16h00 Fruta
17h30 1 iogurte de soja e 1 peça de fruta
3º Treino
20h30 Semelhante ao almoço
22h30 1 iogurte de soja + 1 punhado de frutos secos
Muita gente pergunta como é que surgiu esta ideia...
Será apenas pelo gosto de praticar desporto? Será apenas uma má formação psíquica, que leva a desenvolver um estranho gosto pela dor e esforço físico? Será apenas uma razão para termos motivação para treinar com regularidade? Ou há muito mais por trás da participação numa prova deste tipo?
Obviamente as razões são muito diferentes de pessoa para pessoa. Provavelmente, todos os factores mencionados em cima estão presentes nesta nossa participação.
Mas provavelmente, a maior das razões é uma vontade louca de viver. Sim, porque "viver" é muito mais do que respirar. É experimentar coisas novas, que nos permitam evoluir em diferentes dimensões. Na dimensão física, cultural, mental e espiritual. Viver é sentir borboletas na barriga por experimentar algo diferente. É quebrar preconceitos. É desafiar obstáculos, muitas das vezes, para não dizer sempre, impostos por nós próprios!!
O ser humano tem uma capacidade inimaginável de se superar. Seja em termos psicológicos, físicos ou emocionais. Só temos que acreditar de que somos capazes. Como é óbvio, se não trabalharmos para atingir aquilo que queremos alcançar, nunca chegaremos lá, por muita "vontade" que tenhamos. Mas se aliarmos vontade e esforço, aí não há nada nem ninguém que pare o ser humano.
O responsável máximo por esta participação conjunta é, sem dúvida nenhuma, o António Silva. Tendo tomado conhecimento desta prova há 7 anos atrás, numa altura em que em Portugal quase ninguém ouvia falar deste evento, foi desafiado por um colega e a vontade de fazer algo diferente, aliada à vontade constante de ultrapassar os seus próprios limites, levou-o a aceitar o desafio e daí em diante, já realizou a prova "Ironman 70.3” por 6 vezes (cinco delas no Hawaii e uma outra na Tailândia).
No entanto, havia uma vontade tremenda de experimentar a versão mais longa. Sendo que a preparação e participação numa prova deste tipo é sempre melhor com alguém ao lado, eis que lançou o convite ao Hélder Silva. Este, de modo a que o "um dia destes" não se confundisse com a eternidade, e fosse trazido para o aqui e agora, aceitou o desafio.
As expectativas que temos para esta odisseia são poucas, mas ao mesmo tempo são muitas!!! Participar numa prova que é considerada uma das mais duras do mundo, dentro das que se realizam num só dia, diz bem da epopeia que temos pela frente. Terminar a prova é um grande desafio. Sinceramente, não estamos minimamente preocupados se o faremos em 15, 16 ou 17 horas. Assim como também não pensamos muita na classificação que iremos obter. Não somos atletas profissionais, e temos consciência que os afazeres diários nem sempre nos deixam o tempo suficiente e necessário para efectuar uma preparação adequada. Por isso, "o” grande desafio e "o” grande objectivo, nem sequer está relacionado com o dia 27 de Setembro. A grande vitória já foi alcançada no dia em que nos comprometemos a preparar-nos e a participar neste grande evento.
A preparação!! Como tem sido?
Uma verdadeira loucura!! Sendo que ambos temos profissões com horários muito pouco regulares e que ainda por cima somos estudantes a realizar pós-graduações, para já não falar do facto de que temos "uma espécie de vida” que vai para além destas rotinas, arranjar tempo para treinar é, muitas das vezes, mais difícil do que o treino em si mesmo!
Estão seguramente perdidas as contas às horas e aos quilómetros realizados ao longo destes últimos meses, tenha sido a nadar, a pedalar ou a correr. Preferencialmente, a rotina foi a acima indicada juntamente com o plano alimentar. Corrida de manhã bem cedinho, natação na substituição do almoço e pedalar na bicicleta estática ao final do dia. Mas a verdade é que as obrigações e os compromissos nem sempre permitiram que este plano fosse cumprido, ora por causa de um compromisso profissional, ora devido a um exame para o qual foi preciso estudar, ora devido a algum evento pessoal e/ou familiar. E se houve dias em que com grande sacrifício, era possível encontrar-nos a correr às 5h30 da manhã, fizesse chuva ou frio, para fazer uns 10 ou 12 Km, ou a entrar na piscina às 7h00 para nadar uns 2 ou 3 Km, ou muitas vezes às 23h00, depois das aulas a pedalar o equivalente a uns 30 ou 40 Km na bicicleta estática, a verdade é que também houve muitos dias em que não foi possível de todo realizar qualquer exercício.
Para além destes treinos mais regulares, também fizemos aos fins-de-semana algumas preparações mais complexas, como nadar 4 Km em piscina e pedalar logo de seguida o equivalente à distância da prova. Ou então montarmos na bicicleta e realizar a distância equivalente à da prova, mas com um índice de dificuldade muito mais elevado, através da escolha de percursos com subidas com declives superiores às que vamos encontrar em prova. A título de exemplo podemos citar as etapas em que fomos do Porto a S. Mamede de Riba Tua, ou ao Gerês, ou a Lamego.
É difícil contabilizar ao certo, porque apesar de sabermos no final de cada treino as respectivas distâncias, a verdade é que nunca fizemos um registo das mesmas, mas ao longo dos últimos 5 meses devemos ter nadado o equivalente a 70 ou 80 Km, pedalado uns 3.000 a 3.500 Km, e corrido cerca de 500 a 550 Km. Se tudo isto nos deixou suficientemente preparados para a prova? Provavelmente não!!! Mas temos esperança que no dia, as pernas e os braços saibam o que têm a fazer.
Numa prova física com este grau de exigência, só em 30 ou 40% é que é o físico a mandar. No restante, é o psicológico e a vontade. E nós esperamos estar muito bem preparados nestes particulares.